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Estamos desorientados, quanto mais as crianças!

A tendência natural é de se criminalizar a criança ou o adolescente, afirma Ladislau Dowbor.

A irracionalidade aqui impera.

As pessoas, em nome da segurança, querem vingança. O sentimento de ódio por parte de alguém que sofreu violência é até compreensível, as soluções é que não batem. Em termos práticos, todos nós sabemos que trancar um jovem nesta idade, expô-lo a influências de outros autores de atos violentos ou de simples furto, de adolescentes que serviram ao tráfico de drogas, só serve para incorporar ao mundo do crime já não amadores, mas profissionais. Portanto, sentimentos legítimos na raiz, mas soluções irracionais. Merecemos melhor. E as televisões, francamente, em vez de insuflar o ódio (o que rende sem dúvida em termos de audiência e publicidade), deveriam elas sim criar vergonha.


A eterna polarização entre os que querem respostas duras e repressivas e os que querem priorizar ações preventivas continua, mas tampouco faz muito sentido. Os organizadores do tráfico internacional, as grandes empresas que fornecem armas ou grupos que as negociam, as redes internacionais de abastecimento, os bancos como o HSBC e 

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tantos outros que lavam o dinheiro, todo este grande sistema planetário de crime organizado só poderá ser combatido com repressão dura, sistemas de cooperação internacional, obrigação de transparência das transferências internacionais dos bancos e assim por diante, abertura (disclosure) sobre os paraísos fiscais, acordos internacionais sobre os grandes produtores e revendedores de armas.

Aqui não há como “passar a mão na cabeça”, a indústria do crime terá de ser enfrentada duramente. Já temos iniciativas da ONU, propostas de respeito aos direitos humanos por parte das empresas transnacionais e assim por diante. Estamos aqui falando de uma economia planetária que movimenta algo como 5% do PIB mundial. É tão mais fácil enfrentar o elo fraco e passar a mão na cabeça do crime organizado.

Para o jovem, a criança, devemos nos concentrar no desenvolvimento da sua inserção social efetiva. Isto passa por inúmeras medidas na área da educação, da organização urbana, da redução da jornada de trabalho, da construção de um ambiente de convivialidade em cada bairro. A Cidade Tiradentes, na periferia de São Paulo, tem 200 mil habitantes e alguns milhares de empregos. Pai e mãe trabalham, levantam às 5 horas para pegar a condução, voltam para casa e adormecem no sofá às dez da noite, vendo bobagens na TV. Que tempo para as crianças, para a vida de família? As crianças tinham a rua para brincar, jogar bola ou bolinha, hoje estão presas em casa; a rua é para carros, o terreno que poderia ser parque virou espaço comercial. Os EUA sofrem uma epidemia de asma infantil: crianças já não correm, não andam de bicicleta, não sobem em árvores, não desenvolvem o aparelho respiratório de forma adequada. Estão apertando botões. As próprias famílias estão se separando, a perda geral de convivialidade e de interações sociais asfixia as relações no domicílio. Nos EUA, apenas 26% dos domicílios têm pai, mãe e filhos. O mundo mudou, nós estamos desorientados, quanto mais as crianças.

ladislau-1Trabalhando com o Unicef, vi cidades na Itália onde os terrenos ou praças transformadas em estacionamentos foram reconvertidas em espaços lúdicos para crianças. Vi em Valparaiso, no Chile, pirambeiras onde os adultos antes jogavam lixo transformadas em arquibancadas, espaço de teatro e outras apresentações: a obra foi coordenada por crianças. Na Inglaterra, acabam de aprovar o direito dos empregados solicitarem horários flexíveis para que possam acomodar o tempo de trabalho e o tempo de transporte (escapando do horário de pico) e de convívio familiar. A redução da jornada de trabalho (pelo menos o sábado!) está na ordem do dia. Não é riqueza que nos faz falta, é a sua distribuição melhor e, sobretudo, o repensar como estamos organizando a nossa vida, com que objetivos, com que resultados. Os culpados não são as crianças, não vêm com perversidade embutida. Os culpados somos nós. As soluções existem, é organizá-las e implementá-las, bairro por bairro, cidade por cidade. E os que difundem ódio nos meios de comunicação que se reciclem, ou arranjem outro emprego.

 

Ladislau Dowbor é economista e professor titular no departamento de pós-graduação da PUC de São Paulo, nas áreas de Economia e Administração. Contato: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.